terça-feira, 15 de julho de 2014

Seria esta história loucura ???

- Ah, menino! Não sei como começar a te contar esta história. Não sei como eu estou viva. Aliás, nem sei qual o sentido de estar viva uma hora destas. Perdi tudo o que era de mais valioso para mim. Acho que quem vai ler isto aqui, vai pensar que sou uma daquelas " peruas " que perderam a pensão do marido, os "colar ", as riquezas e tudo mais. Mas perdi as minhas únicas companhias. Perdi meus filhos. Meus quatro filhos. Cada um de uma maneira. Mas o mesmo homem tava lá para causar as " morte ". Desgraçado! Agora, ele deve tá lá no bem bom, fora do Brasil, com uma mulher linda e que não pagou pelo crime que cometeu. Enquanto isso, meu vizinho Cláudio tá na cadeia acusado dum roubo que não cometeu. Saco, umas porcarias dessa tratar pobre dessa maneira. Mas é melhor falar o que tenho que falar contigo, senão saio do rumo.


Criava meus meninos sozinha. Os dois primeiros foi de um cabra que conheci no serviço. Trabalhava na limpeza de um hospital. Moramos junto e tive dois filhos, o Tiago e a Angélica. Me separei dele após muitas brigas, ele me espancava após chegar bêbado em casa. Todo fim de semana, era uma agonia meus filhos verem a mãe assim. Depois disso, conheci um outro homem num bar. Tive mais dois filhos com ele, o Jonas e o Miguel. Mas depois que o Miguel nasceu, ele já tinha me largado e fugido com outra. Se não tivesse tido Angélica, seria impossível criar o meu filho mais novo. Era novinha, mas era muito cuidadosa. O Tiago já trabalhava na época, tinha uns 13 anos e fazia uns bicos de pedreiro ali por perto. Daí então, criei meus filhos sozinha. Nunca mais quero depender de homem pra criar, nem me apaixonar de novo. Só conheci homem ruim na minha vida, nenhum era como meu pai que deixei lá no Norte antes de rumar pra cá. Meu barraco apertado era uma pequena casa do amor, eu e meus filhos. Trabalhava segunda à segunda, janeiro à janeiro.Não parava em casa. Só no Natal, Ano Novo e Carnaval é que eu parava. Faxina não me faltava. Mas o dinheiro sim. Era pouco, mas economizava para cada um sobreviver. Tiago ganhava pouco também, nem 100 conto por mês. Mas já ajudava como podia, era tão bom esse menino.
Mas daí veio a disgrama. Tiago tinha uns 17, 18 anos eu acho. Já tinha largado a escola e trampava numa obra no centro, bem longe daqui. Era um prédio bem grande, que seria um hotel chique, de uma ator que era meu galã da TV. Era o Adriano Bueno, o homem mais lindo que já vi. Era lindo, gostoso, bom caráter e fazia vários trabalhos, ajudava até a comunidade. Tenho foto com ele até hoje, mas é só passado. Ele ia ser o dono do Hotel também, mas contratou a pior empreiteira que existe. Não pagava bem, não tinha plano de saúde, não tinha onde cair morto. Mas caiu. Uns colega dele me falou, que o Tiago foi subir mais alto pra colocar um bloco pesado no andar de cima. Tava sem corda e sem aqueles negócio pra subir se cair, mas nem isso tinha. Empreiteira vagabunda. Pois é, aí ele caiu morto. Não acreditei quando vi na TV. Tava lá, " Tiago Batista Rodrigues morreu após cair 20 metros ". Não acreditava que era meu Tiago, era um menino tão forte. Caiu de laje atrás de pipa, machucou jogando bola e até levou bala perdida. Sobreviveu, graças a Deus! Mas nesta, não tinha jeito. Meu filho mais forte, mais batalhador e que queria ser eletricista, faleceu. Chorei, chorei, chorei. Mas lá ninguém se importou, no enterro não tava ninguém dos patrão dele. Só os colegas dele,alguns gari e o pessoal da favela. Nem namorada tinha de tanto que trabalhava. O pai dele foi, mas nem olhei direito pra ele. Nem pensão pagava, mas pelo menos deu adeus ao filho, triste como eu. Mas a vida segue, o prédio hoje tá pronto, mas ninguém se lembra dessa história. Meu filho foi mais um pros outros, menos pra mim e pros irmão dele. Os mais novos, coitados, perderam a principal referência depois de mim.
Passou um tempo, acho que um ano mais ou menos. Encontraram um corpo baleado na comunidade. Fui lá, curiosa para saber. Quando vi o corpo, desabei em choro. Era o pobre do meu Jonas. Todo furado, sangue jorrado no chão e parecia que estava sorrindo. Cansado de viver, bem longe disso. Tinha uns 13 anos, tinha vida pela frente. Jogava bola num clube aqui por perto, tinha esperança de ser chamado por um clube daqueles da televisão. Falavam bem dele na escola, sempre esforçado, sempre tirando nota boa. Jogava bem, dizia o professor da escolinha de futebol. Não tinha condição de pagar, mas o menino tinha talento, não era de ser jogado fora e logo, podia ir pra Europa, ganhar dinheiro e tirar ele e os irmão dele da miséria. Eu não teria que me matar fazendo faxina por aí, ficando tanto empo fora de casa. Só tava em casa pois era Natal e eu dormi até um pouco mais tarde. Agora entendi, sou culpada! Não podia deixar meu menino sair naquela noite. Não mesmo. Ele saiu, dizendo que ia pruma festa de um amigo dele, aqui perto. Deixei ele se divertir um pouco, afinal, era tão bom menino, nunca me dava trabalho. Era meu orgulho, meu xodó. Ao ver o corpo dele daquela maneira, chorei, chorei e desmaiei. Nem tinha médico naquele dia, me levaram na casa de uma agente de saúde que morava perto. Me medicou e ajudou eu a superar a pressão baixa. Mas não a perda de mais um filho meu. Nem me recuperei da morte do meu Tiago, agora falece o Jonas. Mas até hoje não sei direito o porquê disso, dessa barbaridade que fizeram com meu Jonas. Inveja? Pode ser, pois muitos desse mundo gostam, mas outros querem te derrubar. Tem mais pra derrubar do que pra te ajudar, infelizmente. Mas pra ser tão cruel, acho que não foi inveja. Pelo que um amigo dele contou, parece que ele mexeu com onça. Com o tal do carcará, um procurado pela polícia. Não com ele e sim com a menina dele. Sim, menina! O homem tinha uns 30 anos e saia se exibindo com uma aí de 14. Pedófilo não sei, a menina queria o poder dele. Comandava o tráfico, matava quem ele bem queria e mandava e desmandava na favela. Pagava policial pra evitar de ser preso. Disseram que Jonas tava de amasso com ela já era tempo e foi uma emboscada. Se isso for verdade, eu não sei. Sei que a menina nunca mais apareceu por aqui. Carcará já tava com outro, uma morenona alta e bem mais velha que aquela menina. Sabia que Jonas era namorador, mas ele nunca se envolveria com a menina do traficante. Não era tão burro pra fazer isso. Tinha namorado a filha do vizinho, uma menina tão boazinha. Não aquela novinha loira do traficante, que tinha uns casos aí, eu fiquei sabendo. Mas enfim, não se direito que fim levou Jonas pra ter morrido assim. A polícia bateu na festa de madrugada, quem sabe não foram eles também? Confundiram meu filho, só por ser preto, filho de preto e da favela com um marginal como Carcará, que nem pego foi naquela noite. Sei que ele tá preso, mas ainda manda por lá. Sim, sai daquela quebrada depois do enterro de Jonas. Disseram pra eu que também ia morrê, como Jonas. Como Tiago. E até meus filhos. Pro bem deles, fui pra onde tô hoje, falando com você. Mas mesmo assim, os problemas continuaram. e... pioraram.
Passaram mais uns dois, três anos eu acho. Só morava eu e meu filho caçula, Miguel. Angélica tinha arranjado um homem e engravidado deste. Me deu dois netos, gêmeos aliás. Kauan e Kauê eram seus nomes. Talvez os dois meninos tapassem o buraco da perda de Tiago e de Jonas. Era tão lindos meus netinhos, embora fosse jovem pra ser vovó, não era má ideia. Embora parecesse mais com o pai, o Everaldo, branquinho, zóios claro e o cabelo bem pretinho. Mas o rosto era da minha Angélica. Eram tão bonzinhos e faziam sucesso por onde iam. Mas era a única alegria que tinha em meses. Em casa, era eu sozinha sempre. Mas eu te disse que Miguel morava comigo. Só dormia lá, pois de dia só me aprontava. Problema na escola, problema na rua e na delegacia. Sim, o menino nem 12 anos tinha e já vinha roubando os mercadinhos da região. Foi preso sei lá quantas vez. E na favela, começaram a me ameaçar caso eu não tomasse conta do moleque. Fazia de tudo pra deixar ele em casa, botei ele pra jogar bola na escolinha aonde Jonas jogava, em projeto educacional de fim de semana e por aí vai. Mas não queria nem saber de jogar bola, nem de fazer capoeira no fim de semana. Quase nunca ia pra lá. E eu nem sabia pra onde ele andava, com que "amigos" ele andava e o que ele fazia. Até o dia em que sai do prédio de uma patroa minha no bairro chique e vi ele num beco com um cachimbo. Meu Deus! Oh, meu Deus! Tava com droga na cabeça. Roubava pra manter o vício. E eu, idiota, nunca percebi. Fui lá na mesma hora, puxei-lho pelas orelhas. Saiu gritando que nem criança mimada. O povo do lado nem parecia se importar, afinal era só mais um pretinho lá. Cheguei em casa e dei uma surra naquele infeliz. E gritei com ele o motivo dele tá naquele lugar, com aquele cachimbo de pedra na mão. Ele disse que tava só experimentando, que nunca fumou ou cheirou na vida. Admitiu que já tomou umas cachaças. E que roubava não só pra se divertir, era pra ele ter dinheiro sozinho, comprar as roupa dele, os tênis que inveja na escola e que não podia dar e impressionar umas menina. Nestas horas chamei ele de vagabundo e de trouxa. Se quisesse ter tudo isso, por quê não trabalhava que nem o falecido irmão Tiago? Aos 12 anos pegava qualquer pedra por aí e já transformava em tijolo e ganhava uns trocados. Miguel foi grosso comigo e disse que o irmão falecido era um trouxa, que nunca cresceria na vida. Disse também que eu também era, que trabalhar pra que, ganhar uma miséria que nem eu ganho. Era melhor ele roubar mesmo, pra ter tudo que quisesse e que ninguém ia pegar ele nunca. Mesmo detido umas cem vezes, ele não desistia. Pra reformatório ou pra Febem, nada ia impedir que ele continuasse até ter uma boa vida. Ameacei de bater nele de novo, mas o danado fugiu. Procurei a noite inteira pelo bairro, mas ele já tinha ido pra outras quebradas. Ficou uma semana nas ruas. Eu trabalhava angustiada, pedindo a Deus que ele estivesse bem e que mudasse a cabeça dele, que trabalhador não era otário. Sai mais um dia do trabalho, desta vez de uma empresa em outro bairro chique. Aí vi um cerco da polícia numa rua. E o corpo de um menino baleado caído no chão. Não podia ser. Era o Miguel! O desgraçado tava todo cheio de sangue e bala no pescoço. O polícia tava lá sorrindo e dando entrevista prum jornal dizendo que era mais um "marginal" fora das ruas. E do lado dele tava lá um rapaz branco, bonito e bem jovenzinho. Era o filho do Adriano Bueno, o Ricardo. Pelo que via nas revistas de fofoca da minha patroa, ele estudava por perto. Na entrevista, ele disse que o meu menino roubou ele. Aí chegou o povo da rua e pegou ele. Começaram a bater no meu Miguel e arrastaram ele pela rua. Por fim, ele ainda sobreviveu. Mas o Ricardo chamou a Polícia que veio atirando. Vi no corpo do infeliz, dois no pescoço e um na perna. Ele não aguentou a dor e caiu. Assisti toda aquela entrevista  do Ricardo e comecei a chorar. Ele olhou pra mim e perguntou se conhecia o menino. Disse que sim, era mãe dele. Ele até começou a chorar, mas disse que era necessário o fim do menino pra ele parar de roubar. Não havia nada que pudesse fazer por ele. Era triste, mas disse que vagabundo tinha que morrer. Mesmo sendo uma criança. Xinguei ele por um palavrão e comecei a xingar ele, a polícia, o governo e todo mundo. Aí sem mais, sem menos fui presa por desacato. Chorei demais na viatura, era mais um filho morto. E pra piorar era presa. Fui solta apenas pra enterrar meu menino e dar adeus. Chorei muito e culpei minha condição pela morte dele. Se ele tivesse uma vida melhor, não iria pra esse caminho. Após a despedida de mais um filho meu, voltei pra cadeia. Até que Angélica foi lá e pagou minha fiança. Fui solta e inocentada do processo. Mas a fiança deixou eu e minha filha desempregada. E a notícia de que fui presa caiu na boca do povo. Além de ser mãe de bandido, virei uma também. Mudei de lar mais uma vez. Fui pra outra favela, bem longe daquela. E Angélica foi junto com meus netos. O marido separou dela e voltou pra terra dele. Queria eu voltar pra minha, mas tudo que tenho agora são três filhos mortos, uma dívida com o banco impagável até hoje e uma tristeza pela falta dos filhos e de serviço, já que até as patroas souberam disso. E contaram para as outras fofocas. A TV me julgava como mãe de um futuro diabo. Achava que defendia ele apenas por chorar com sua morte. Mal sabiam o quanto surrei o menino pra tentar educa-lo. Mas nada deu certo.
Mudei também pro meu bem. Era tanta gente da TV que queria uma entrevista comigo. Mas não estava aguentando mais, era programa disto, daquilo, jornal e até programa de mulher. Aí quando eu via meu rosto na TV, não tinha nenhum trecho de eu falando bem de meu filho. Só pegaram as partes que eu chorava e lamentava o roubo. Ah, bando de abestados!!! Essa TV nunca fala da gente quando a gente faz algo de bom, mas quando é de ruim, pedem até pra bater em quem fez. Eu pensava assim também, mas depois que vi o Miguel morrer, vi como é sofrer por caso disso. Meu filho ia pra FEBEM e talvez nunca mais sairia desta vida, infelizmente. E se Miguel tivesse apenas pegado a carteira do Ricardo Bueno e queria devolver, só por ser pobre já iam achar que era desonesto. Não, toda hora não. Mas talvez teria o trágico fim que levou pra minha tristeza.
Passou um tempo e Angélica deu pra mim a maior graça da vida dela. Ela entrou na faculdade mais rica da cidade sem pagar nada. Entrou lá pelo fato dela não poder pagar e se não me engano, era um negócio de cotas, que o povo que é da minha cor entra também. Ia mexer com a cabeça dos povo ( ela quis dizer Psicologia ) e talvez ia ganhar bem mais que ela ganhava quando trabalhava numa gráfica. Ela passou a trabalhar de dia e estudar de noite. Ganhava até bem, mesmo trabalhando menos que eu. Mas pelo menos compensava o meu desemprego, já que resolvi ficar em casa cuidando dos meninos dela. Como ela não encontrava creche neste bairro, ela pediu pra eu não trabalhar até ela encontrar um creche pro Kauan e pro Kauê. Apesar disso, tava tudo muito bem, trabalhando, indo bem na faculdade e fazendo novas amizades com aquelas meninas ricas e bonitas, que até me deram uns presentinhos, umas lembrancinhas. Até que um dia, Angélica resolveu ir pruma festa da faculdade. Se arrumou, se penteou e se perfumou ficou bem bonita aquela minha morena. Parecia uma princesa de tão linda que tava com um vestido novo que ela comprou. Deu um beijo em mim, nos meninos e disse assim: " Mamãe vai voltar, meus amores. Já, já. " Se soubesse antes que seriam suas últimas palavras, nunca ia deixar ela ir nesta festa. Por mais que ela fosse mãe, de maior e que cuida do seu próprio corpo, eu sou mãe dela. Noutro dia, a notícia que ela tinha sido morta. Por quem? O filho do bonitão Adriano, o tal Ricardo Bueno. Mas que o danado não tinha sido preso ainda, que tinha sumido. Mas depois de tanta coisa ruim que sucedeu com meus meninos, nem tinha força mais pra chorar mais uma morte de filho meu. Porém chorava pelos meus netinhos que mal sabiam que tinham acontecido com a mãe deles. Brincavam enquanto eu via tudo na TV. Eu fiquei chorando e me perguntado, por quê Deus me deu tanto castigo na vida? Nunca roubei, matei, trabalhei direitinho e criava com tanto amor meus filhos e ele tomou de mim todos eles. E todos de maneira trágica, um pior que o outro. E tudo tinha relação com este menino Ricardo. O Hotel onde o Tiago caiu era do pai dele. Carcará dava droga pras festas dele. Miguel morreu depois de tentar roubar ele. E Angélica pelas mãos dele. Foi tudo subindo pra piorar. E quando este pivete mimado de rico alemão foi preso, fui até a delegacia tirar umas satisfações com ele. Ele tava algemado, cabeça baixa e chorando. Mas que pobre Diabo! Fui lá e meti a porrada naquela cabeça oca de rico dele. Bati na cabecinha real dele e um povo disse pra eu parar. Ah, palhaços! Ninguém parou quando era meu Miguel, mas em um sem vergonha, safado e canalha destes, pra não dizer outro nome aqui, pediam pra parar porque merecia ser perdoado. Miguel não teve perdão por roubar uma mísera carteira. Pro Tiago não tinha nem segurança daquela empresa vagabunda que o pai dele contratou. E o mandante do assassinato do meu Jonas era amiguinho de infância deste aí. Estudava na mesma faculdade que minha filha e tendo todo o dinheiro pra pagar, achava que podia fazer isso com ela. E coisa bem pior. Depois de dar uns sopapos na cabeça dele, me seguraram e fui presa também. Falaram que era agressão, coisa assim. E quando o delegado pediu pra eu dar um depoimento e o motivo daquela agressão, peguei as coisas dele e quebrei tudinho. Gritei, choraminguei e fiz o maior drama. Falei umas boas e poucas pra ele, revoltada. Mas eu sabia que tava fazendo. Porém eles acharam que não. Me mandariam pro hospício, pois não tinha condição de dar depoimento e nem de cuidar dos meus netos. Perdi a guarda deles e foram pro Norte pro pai deles. Fui prum hospício sabendo quem era eu até chegar lá. Fiquei louca só de term me ponhado lá sem justificativa. Usaram o nome de não sei quem pra autorizar eu estar lá, acho que foi do meu ex-genro que não gostava muito de mim antes de separar da Angélica. Achava ele que a sogrinha dele era uma louca.
( Risos ) Não sabe de nada, inocente! Meu Deus! Eu ri de novo depois de 15 anos nesta desgraceira. Obrigado menino por me ouvir depois de 15 anos, precisava de alguém pra isso. Descarregar minhas tristezas de uma vida tão sofrida de uma preta como eu, que trabalhou desde os 10 anos até ficar aqui nessa disgrama sozinha e seu meus filhos e sem meus netinhos. Queria saber como eles estão, se estão trabalhando, estudando ou sei lá, tendo um destino melhor que o da avó deles, dos tios deles e da mãe deles, que nem devem se lembrar. Mas a vida é fogo pra gente como eu! Se um dia sair daqui, nem sei o que fazer. Aposentar até poderia, já trabalhei mais de 30 anos, porém nem carteira assinada tive destes meus patrões. Teria que trabalhar até os meus 70 agora, mas quem daria emprego a uma senhora preta, favelada, que já foi presa e internada num hospício até hoje sem nenhuma comprovação de que sou louca? Pois é, meu filho, tá fácil pra ninguém. Só pro canalha daquele Ricardo, pelo que fiquei sabendo tá no bem bom fora do Brasil. Casou, ficou mais rico que já era e teve uns três galeguinhos pra chamar de seu com uma loira magrela da revista. Mas até hoje não sei do porquê dele matar minha Angélica, talvez eu faça isso quando sair daqui, já que ninguém quis me responder sobre isso até hoje. Pobrezinha! Podia ser doutora hoje, com um dinheiro e me ajudando a ter uma morte tranquila. Mas nunca mais vou sair daqui ( choros ). Nunca mesmo! Meu cadáver deve ficar aqui enterrado. Aproveite a vida menino, aproveite! Eu falei sobre tudo isso depois de 15 anos refletindo nessa droga sobre a morte dos meus filhos. Agora que sabe de tudo isso, pode usar isso no seu trabalho de faculdade. Use isso e fala isso pro mundo todo ouvir esta mãe que sofreu desde que veio ao mundo até hoje. Até hoje! Vai com Deus menino, que os anjos te protejam! obrigado por me ouvir por horas e horas. Volte mais aqui! - encerrou a sua fala, minha avó Edinancir Batista Silva.
Antes de tudo isso, ela perguntou meu nome. Disse que me chamava Artur. Ela não me reconheceu pelos 15 anos de diferença do Kauan que era no passado. Carrego uma foto minha com minha mãe e meu irmão Kauê. Kauê ficou lá no Norte mesmo com meu pai e com minha madrasta. Nesse tempo todo tive mais dois irmãos, Wesley e Raquel. Vim pra cá estudar e estou na casa de um primo de meu pai. Graças a ele, descobri sobre a existência de minha avó que jurava estar morta como meus tios e minha mãe. Meu pai nunca me falou de minha avó aqui de São Paulo, talvez por não terem uma boa relação desde que meu pai se separou de minha mãe. Por ela ter ficado "louca " negou ao máximo minhas lembranças. Sempre soube pouco da família por parte de minha mãe. Soube um pouco graças ao Glauco, como já disse antes, primo de pai. Glauco trabalhou com minha mãe na gráfica e foi ele quem me contou os detalhes da morte de minha falecida mãe. Segundo ele, minha mãe e Ricardo estavam na mesma festa naquela noite. Ricardo quis dar em cima daquela " nega gostosa " segundo as palavras dele. Minha mãe não aceitou as investidas dele. Até lhe deu um tapa para parar, mas como estava bêbado, o playboy não parou. Quando minha mãe saiu da festa, ele a pegou. Levou-a à força para um apartamento de um amigo. Bêbado, tentou estuprá-la. Minha mãe se defendeu e deu-lhe uma garrafada. Porém, o "bonitão" estava com um canivete e meteu-na vários golpes. Ela desmaiou. Ele se aproveitou de seu cadáver. Quando acordou e viu o que fez, tentou esconder o corpo, mas uma empregada viu tudo e denunciou para a polícia. Ele foi preso e ficou um mês. Foi solto e julgado três anos depois. Foi condenado a 30 anos de cadeia. Porém não ficou nem 3 anos. Foi solto sob justificativa de " bom comportamento " e desde então, mora fora do Brasil. Pouco se fala deste crime. Adriano Bueno, seu pai, ao ser perguntado sobre isso se cala. Sempre dá um jeito de censurar quem fala do crime que seu filho cometeu. A mídia, seja jornal, TV ou rádio nunca falou sobre este crime. Claro, não foi Ricardo quem morreu. Se talvez fosse minha mãe ou um dos meus tios, seriam julgados até hoje a morte. Aquela mulher da TV mandaria linchar todo alguém como eu, como minha mãe, minha avó, meus tios e meu irmão. Agora Ricardo, um homem fino, branco, rico e filho de papai ela diria: faz parte, foi um acidente. Acidente? Ele era usuário da droga de Carcará, tanto ele quanto seus amigos famosos. Carcará ia nas festas deles. Podia falar umas verdades sobre esta gente. Falou? Nada, soube que morreu há uns dois anos. Sua morte nunca foi  investigada ou sequer deram a causa da morte. E depois, o drogado era meu tio Miguel. Ou mesmo meus tios Jonas e Tiago. Ou minha mãe, que não serviria pra nada além de dar prazer pra gente da laia de Ricardo.
E minha avó. Coitada! Foi considerada louca por saber a verdade desta sociedade. Uns marcados pra morrer sempre, sem assistência de ninguém. Outros devem ser protegidos ao máximo, por pior que façam para o mundo. Ou seja, alguém como meu Tio Miguel merecia sempre a cadeia, pra depois sair de lá morto ou pior do que era. Já um Ricardo não merece isso e ninguém diria isto para ele. Cadeia! Assassino! Ladrão! Isto serve pra quem vem de baixo. Pros de cima, todas as glórias. Pobre avó, pode morrer sem ver os netos novamente, os únicos que sobraram. Pelo menos deixei-na feliz, mesmo se passando por outra pessoa. Um dia, quem sabe amanhã, não a visito de novo e conto a verdade. Ela não é louca como julgam o mundo. Ela foi mais consciente que um jornal da manhã. Podia morrer agora por não ter ninguém ao seu lado. Mas consegue forças pra viver e quem sabe, ver este mundo mudar. Mas espere eu me formar vovó, quero você lá para ver. E ser feliz uma vez na vida, depois de tanta desgraça. Por ti também, mãe.


* Kauan Batista Pereira da Silva, 18 de novembro de 2007


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