terça-feira, 18 de agosto de 2015

Samurai X nos dá aula de história

Voltei as aulas e as férias acabaram. E fiquei demorando semanas para escrever uma matéria. Até tinha a ideia, só não estava com tempo para escrevê-la. Mas agora consegui um tempinho para escrever, mas vocês á devem reparar que eu escrevo as matérias por partes. E essa não será diferente.
Samurai X ou Rurouni Kenshin, sendo o último o título original, é uma mangá que virou anime escrito por Nobuhiro Watsuki e que fez muito sucesso no Japão e no mundo. Tanto o Anime quanto o Mangá, apesar das inúmeras diferenças, estão entre os melhores já feitos. A história se passa no Japão do século XIX, em um momento de transição da história do Japão, que passava por uma mudança radical de regime, passando de um feudalismo do Xogunato Tokugawa (conhecido também como período Edo) para o poder centralizado na figura do imperador Meiji. A série mostra um Japão bem diferente do que nós conhecemos, que era um país atrasado, agrícola e até violento. Mas também mostra os avanços da tecnologia, questões filosóficas, colonização, globalização e é claro, épicas lutas de espadas. A protagonista, o ruivo samurai Kenshin Himura é um ex-retalhador conhecido como "Battousai". Vagando pelo Japão após 10 anos ter parado de matar pessoas e participado da restauração Meiji, vivia ajudando quem precisasse com sua espada com lâmina ao contrário, a Sobakatsu. Até parar em um dojo na cidade de Edo (atual Tóquio), aonde conhece a doce e bipolar Kaoru Kamiya, que viria a se tornar sua esposa (a segunda, na verdade). Ao longo da série, ele enfrenta antigos inimigos, pessoas que querem assumir o controle do país e outros criminosos comuns. Mas conhece outros que se juntam a turma, como o ex-trombadinha Yahiko, o ex-lutador de aluguel e ex-membro da tropa Sekiho (Sekihoutai) Sanosuke Sagara, a ex-fabricante de drogas e agora médica Megumi Takani e por fim, a ninja Misao Makimachi.
Embora seja uma história fictícia, Samurai X apresenta diversos problemas atuais e muito sobre a história do Japão e até mesmo mundial. A história pode ser considerada uma grande aula de história, filosofia, sociologia e geografia. A história oriental (seja indiana, japonesa ou chinesa) é muito ignorada nas escolas e pouca gente sabe efetivamente a grandeza dessas civilizações e seus feitos. Até se ensina na parte sobre Revolução Industrial sobre o Japão de Meiji. Mas nunca explica como foi ao poder e como iniciou este processo, mas já trás o porém do país ter abandonado o isolamento dos países ocidentais. Mas a história de Kenshin mostra gente que não queria este governo e pensava de jeitos muito diferentes. Fora outras questões que serão apresentadas agora:

Revolução Industrial

Imagem do episódio 22, com passageiros assentados no trem.

O mundo no século XIX começava a apresentar mudanças ainda mais profundas do que os séculos anteriores. A Revolução industrial mudara o mundo de tal forma que influenciou não só na tecnologia, mas na política, economia e na sociedade como um todo. Mas naquela época, o mundo já caminhava para a segunda revolução industrial. Antes, apenas concentrada na Inglaterra e na França, ela se espalhou para outras nações europeias, como a recém surgida Alemanha, Império Russo e a Bélgica e fora da Europa, especialmente nos EUA e no Japão. Na época de Kenshin Himura, grandes novidades tecnológicas já estavam presentes no Japão e muto graças a acordos com as potências do época, como Inglaterra e Alemanha. No episódio 22 (episódio não presente no mangá), Kenshin e sua turma fazem uma viagem pelo primeiro trem japonês, que ia de Tóquio para Yokohama. O trem era um dos grandes avanços tecnológicos da Revolução Industrial, com o seu motor abastecido com carvão (principal combustível para a época). Apesar disso, as personagens desconheciam tais avanços, especialmente Sanosuke que achava tudo muito estranho. No mesmo episódio, também é mostrado a máquina fotográfica, que assustou Kenshin e Sano. Mas na tentativa de saque ao trem, eles foram heróis. Como sempre.
Já na Saga de Shishio, foi mostrado outro avanço da Revolução Industrial e usado pelo vilão: o navio feito de aço. No episódio, Shishio afirma ter gastado muito no navio, mas que ele seria útil. Na cidade de Osaka, o navio sairia para Tóquio e atacaria a cidade com seus poderosos canhões. Tudo isso mostrado no episódio 46. Além do navio, Makoto Shishio em sua batalha final contra Kenshin, luta em local onde se queimava gasolina. E o próprio Shishio utilizava gasolina e pólvora em usa espada, mais a gordura humana armazenada em sua espada e junto de atrito, inflamando sua espada e criando técnicas com chamas.
Shishio em seu navio de aço.
No anime, ainda veríamos na Saga de Kaishu Katsu (entre os episódio 79 e 82, outra saga filler), o discípulo de Katsu chamado Daigoro é um garoto que gosta de ler bastante. E um dos livros que ele é visto lendo na série é "Da Terra à Lua", escrito pelo famoso escritor francês Júlio Verne. O livro lido por ele antecipou em quase cem anos a viagem do homem a lua. Mas é também um livro que demonstrava o interesse japonês de evoluir como os países ocidentais do campo da tecnologia.

Gatling gun, arma usada por Takeda contra a gangue Oni.

Política

Raijuuta no anime tinha pretensões de voltar no tempo com o país.
A política é um tema bastante recorrente na série. De maneira direta e indireta, eventos políticos no Japão causaram uma boa parte das batalhas travadas por Kenshin durante a história. Isso é devido a insatisfação de muitos espadachins contra o governo Meiji por causa da proibição do uso da espada. E alguns inimigos de Kenshin tinham como objetivo final acabar com o governo Meiji. Mas cada um teve motivos diferentes para se revoltar contra o governo Meiji. O primeiro mostrado com este objetivo é Raijuta Isurugi (Sekido no anime), um samurai dominador da técnica denominada "Estilo Shinko". Embora no mangá seu objetivo é unificar os estilos de luta dos samurais, no anime é demonstrado que ele quer construir um novo reinando aonde quem manda são os espadachins. E para isso, usa o dinheiro da família Tsukayama, uma família rica da região, treinando o herdeiro da fortuna, Yotaro. Já outro megalomaníaco a querer derrubar o governo é Makoto Shishio. O mumificado Shishio foi um retalhador que substituiu Kenshin após a desistência do mesmo e trabalhava para o governo imperial. Mas após saber algumas coisas sórdidas sobre o governo Meiji, é queimado vivo, mas milagrosamente sobrevive. Considerando o governo fraco e que não suportaria uma invasão estrangeira, Shishio almeja tomar o governo. Conquista seguidores pelo caminho, especialmente espadachins que não conseguiam achar seu espaço na sociedade modificada da época e outros cidadãos marginalizados. Dentre eles, vemos algumas facetas que são oprimidas até hoje: o menor abandonado (na figura de Soujirou Seta), do ex-funcionário público desiludido com o trabalho (na figura de Houji Sadojima, o mais fanático seguidor de Shishio), transsexuais (como a espadachim Kamatari Honjo, apaixonada por Shishio) e de prostituas (como Yumi Komagata, namorada de Shishio e ex-prostituta). No fim, iria tomar o governo e estabelecer um governo forte e centralizado em suas mãos, aonde os mais fortes governariam, seguindo um darwinismo social.

Shishio organizou seu grupo querendo ajuda de pessoas excluídas socialmente da
sociedade japonesa no governo Meiji.
Embora tanto Raijuta quanto Shishio almejam derrubar o governo, ambos tem objetivos diferentes. Raijuta pretende retornar aos tempos do Xogunato Tokugawa, enquanto Shishio tinha um projeto de modernizar o país e torná-lo forte diante das potências. Se fossemos fazer uma breve relação com o Brasil atual, Dilma seria a figura do governo Meiji que todos querem derrubar. Raijuta seria daqueles que pedem os militares novamente no poder, enquanto Shishio seria alguém como Aécio ou mesmo Marina Silva, mas estaria próximos de figuras que querem o Impeachment a força.
Apesar destas duas personagens no mangá quererem o poder, há outras antagonistas no anime (em sagas fillers) que também almejam o poder. Entre elas estão o Cardeal Kaiyou, um homem que finge ser cristão e que estava por trás de Shogo Amakusa, espadachim de mesmo estilo de luta que Kenshin (Hiten Mitsurugi), que tinha como objetivo tornar o Japão um reino cristão. Outro mostrado é o empresário Saeke, junto com seu irmão Reisui que usando o Feng Shui (relação entre vento e água na China) querem causar distúrbios no país. Saeke é um empresário do ramo imobiliário que pretende comprar as casas destruídas para destruir o pentagrama criado a mais de 200 anos antes em Tóquio pelo governo Tokugawa, que já sabia sobre o Feng Shui e proteger a cidade de desequilíbrios. O clã do vento (representado por Jinpui) criou o pentagrama, de modo que o clã da água (que Saeke e Reisui são descendentes) foram para a China após perderem para o clã do vento. Voltando tempos depois, Saeke e seu irmão Reisui querem destruir o Japão desequilibrando a energia do vento e da água e por fim, dominar o país.

Drogas

As drogas já foram demonstradas do anime como um problema muito mais antigo que nós pensávamos. Isso foi demonstrado no episódio 8, o primeiro episódio em que aparece a bela Megumi Takani. No começo do episódio, Sanosuke perde um amigo por causa de uma overdose de ópio, um droga que era (e ainda é) muito consumida no oriente. Na China, a droga foi a causa das duas Guerras do Ópio, sendo a primeira entre 1839 a 1842 e a segunda entre 1856 e 1860, entre a China e a Inglaterra, com ambas vencidas pela Inglaterra, que traficava ópio para a China co o objetivo de não ficar no prejuízo no comércio com os chineses. Mas histórias à parte e voltando para o Japão, o ópio era muito consumido no Japão também. Megumi era uma mulher forçada a fazer ópio para Kanryu Takeda, um empresário e também traficante de drogas. Embora assistente de um médico que fazia drogas para Takeda, Megumi (cujo mentor foi morto por não querer mais fazer drogas para Taeda), continuou a fabricar drogas até se arrepender das vidas que estava tirando, quando deveria cuidar delas por ser médica. Fugindo de Takeda e ameaçada de morte por ele, é perseguida até ser achada por Kenshin, por quem se apaixona (assim como várias mulheres ao longo da série).

Flor de papoula, base para a fabricação de ópio
Megumi quase se mata e é impedida por Sanosuke, mesmo ele tendo a culpado pela morte de seu amigo. Mas o pior é o traficante Takeda. Ele é uma boa representação para os grandes traficantes de drogas, alguém com status e sem despertar suspeitas. Além disso, contrata a gangue de ninjas chamadas Oniwabanshu (ou gangue Oni em português), lideradas por Aoshi Shinomori, um dos grandes lutadores da série. Assim como muitos traficantes atuais, Takeda não excita em matá-los após eles falharem em sua missão (todos perderam para Kenshin e sua trupe) e com uma metralhadora Gatling (que trouxe dos EUA e desconhecida até pelo governo), ele resolve matar todos os presentes, mas os membros derrotados da gangue (Shikijo, Beshimi, Hannya e Hyottoko) se sacrificam para proteger o líder deles, Aoshi. Takeda ainda pronuncia uma das frases que eu mais lembro do Anime: "Dane-se o mundo enquanto eu tenho dinheiro!". Isso não adiantou quando as balas acabaram (ou no anime, em que Beshimi entupiu com seus dardos venenosos o sistema de alimentação da arma), em que Kenshin o deixou inconsciente de uma maneira bastante agressiva, fazendo Takeda um dos mais odiados inimigos de Kenshin na série. 
No fim de tudo, o anime mostra muito do tráfico de drogas e quem está por trás de tudo. Não é muito diferente dos traficantes brasileiros de hoje em dia, em que os verdadeiros traficantes são pessoas acima de qualquer suspeita, como Takeda.

Kanryu Takeda, um traficante muito parecido com alguns de hoje em dia.



Perseguições religiosas

Depois do ocorrido na Parada Gay de São Paulo este ano, quando uma modelo transsexual se crucificou em um dos carros alegóricos, causando revolta em religiosos cristãos, muitos utilizaram o termo cristofobia em oposição ao termo homofobia, afirmando que os cristãos estão sendo perseguidos na atualidade. Bem, palavras de Silas Malafaia e Marco Feliciano a parte, eles falaram a verdade. Mas no Japão do século XIX, e que duas religiões estavam sendo perseguidas na época. O cristianismo é uma delas.
Mas antes de mostrar a cristofobia na época, mostraremos antes a "Budofobia". Um dos mais fortes seguidores de Shishio é Anji Yukuzan, conhecido como "Deus da Destruição". Antes de ser um dos mais fortes guerreiros da série, era um pacífico monge que cuidava de um orfanato. Com o decreto do Governo Meiji de que o Xintoísmo passou a ser a religião oficial do Estado, outras religiões foram perseguidas. Quando estava longe do orfanato, ele foi incendiado pela população local com as crianças lá dentro. Enquanto elas morriam queimadas, Anji tentou salvá-las, mas foi barrado e deixado inconsciente. Após os eventos, tornou-se uma pessoa vingativa e um tanto cruel, bem diferente do pacifista que era. Tornou-se fisicamente forte e desenvolveu a técnica conhecida como Duplo Extremo, que era capaz de destruir até pedras com dois golpes rápidos, um para se quebrar a resistência e outro para finalmente destruir o alvo. Anji demorou 10 anos para dominar sua própria técnica, mas não tardou tanto para matar os algozes das crianças e o prefeito da cidade, que autorizou todo o horror presenciado pelo monge. Após estes eventos, se aliou a Shishio, acreditando em seus ideais e largando Buda de lado. Após perder para Sanosuke (para quem Anji ensinou sua técnica, não sabendo que ele era aliado de Kenshin), ele decidiu se entregar à polícia e foi condenado a 25 anos de prisão por seus assassinatos.

Anji foi vítima de perseguição religiosa. Após isso, virou um criminoso e
viu em Shishio alguém capaz de lhe entender e de fazer um país melhor
A cristofobia na série é mostrada na saga dos cristãos, que não está no mangá e foi criada exclusivamente para a TV. Embora as sagas que não estão no mangá sejam consideradas fracas, esta foi a melhor. E o adversário de Kenshin é Shogo Amakusa, um espadachim cristão que pretende transformar o Japão em um Reino de Deus (antes da Universal do Edir Macedo). Shogo domina o mesmo estilo de luta de Kenshin, que fora lhe ensinado por seu tio, que disputou o título de mestre do estilo com o Mestre de Kenshin, Seijuro Hiko XIII. Shogo pretende também se vingar daqueles que mataram seu pai por ele ser cristão. A perseguição cristã realmente ocorreu no Japão, na época do Xogunato Tokugawa. No episódio em que se mostra o passado de Shogo, o mesmo presencia a morte de seu pai e depois de sua mãe, por causa da tuberculose (doença mortal na época). Ele foge para a China com seu tio e sua irmã, Sayo (conhecida também como Lady Magdalia ou Madalena). Na viagem, ele vê diversas crucificações feitas pelo governo contra os cristãos. Denominado um Messias e chamado pela população local de "Filho de Deus", ele chegou a cegar Kenshin com uma técnica que ele mesmo inventou e que também cegou seu tio, Hyoei Nishida, denominada Rairyussen (conhecida como Dragão do Trovão). Embora Shogo não fosse uma pessoa má, ele matou três pessoas poderosas ligadas ao governo, embora uma profecia escrita em português foi a base dos ataques. Estas profecias em português fazem referência ao fato de que jesuítas portugueses foram os introdutores do cristianismo no Japão, no século XVI. Os jesuítas estiveram presentes na catequização não só de japoneses, como presentes na China. E o cristianismo esteve presente no sul do país, na região de Shimabara (em que irei contar tudo mais tarde).

Shogo e sua irmã Sayo (Madalena), perseguidos por serem cristãos.

Colonização

Embora o Japão tenha se mantido independente, a Revolução Industrial mostrava-se ávida por matéria-prima da qual os países industrializados não dispunham o suficiente. Então, muitos países saíram novamente a colonizar regiões do mundo aonde obteriam matérias-primas para suas indústrias. E a África e a Ásia foram alvo da cobiça dos europeus, que invadiram estes continentes e fizeram delas suas colônias. A disputa pelas colônias foram um dos motivos para a Primeira Guerra Mundial em 1914. Mas vamos ater-se ao Japão e a Ásia.
Embora não muito citado, Shishio cita a colonização de vários países asiáticos como um dos motivos para tomar o governo Meiji. Ele destaca o fato na batalha contra Kenshin, de que a Índia é uma colônia 10 vezes maior que sua metrópole, a Inglaterra. Ele ainda cita a presença francesa na Indochina (Vietnã, Camboja e Laos) e da Holanda na Indonésia, além das Filipinas pela Espanha. Ele temia que isso poderia acontecer ao Japão e achava que o Imperador Meiji não iria conseguir proteger o país das forças estrangeiras e que por isso, deveria tomar o poder e modernizar o Japão ante os inimigos. Mas após a derrota de Shishio, a história mostra o contrário. Após as vitórias sobre a China e a Rússia, o Japão viria a ter colônias na China (na região da Manchúria) e na Coreia (tanto a atual Coreia do Sul quanto a do Norte).

Shishio comenta entre os 5 e 6 minutos do vídeo

Já na saga dos cristãos, por trás do guerreiro e herói do povo Shogo Amakusa estava o Cardeal Kaiyou. Embora demonstrado um religioso, ele não ligava para o cristianismo e estava interessado em tornar o Japão uma colônia de países estrangeiros, sendo a Holanda a provável metrópole (visto no Anime). Kaiyou odiava o Japão, pois assim como Shogo, fora perseguido e expulso do país por ser cristão. Quando voltou junto de Shogo, planejou que Shogo fosse morto pelo exército japonês e após isso, ele iria escrever uma espécie de "bíblia" com a história de Amakusa, afim de estabelecê-lo como Messias (no caso, Shogo) e Kaiyou sendo o pregador da palavra de Deus no país que seria colônia e ele,o governante supremo. Embora com o plano quase dando certo, ele foi morto por Shozo, um aliado de Madalena. Mas além do sentido religioso da morte do espadachim, Kaiyou queria deixar o Japão em um conflito interno intencionalmente afim de facilitar o trabalho das forças estrangeiras.

Choque de Civilizações

O medo da colonização, tal como aconteceu na Índia, era um dos motivos que fizeram alguns se revoltarem contra o governo Meiji. Isso intensificou o choque ainda maior entre Oriente e Ocidente na série, visto que Shishio, por exemplo, queria desenvolver o país de maneira isolada e sem interferência externa. O nacionalismo japonês era fortemente exaltado por ele e também por Raijuuta.
Embora no mangá, este choque de civilizações é mais indireto, no anime é apresentado uma saga em que fica mais evidente este choque. Trata-se da Saga dos Cavaleiros Negros, uma organização de origem alemã que tem como objetivo dominar o mundo. Para isso, eles queriam encontrar um elixir sagrado (uma planta) e monopolizar este elixir, capaz de curar qualquer doença. Para encontrar tal elixir, se aliaram (e depois traíram) a ninja Misanagi, líder do clã Sanada, uma organização de Ninjas. Na busca por tal elixir, os líderes da organização Mel Therz e Lenz, proferiram vários preconceitos em relação ao japoneses e sempre os inferiorizando. Constantemente, Lenz chamava o povo japonês de "Comedor de Arroz". Para eles, os japoneses eram um povo inferior e atrasado, além de rude. Apesar disso, sobrou tempo para o terceiro da hierarquia Schneider se apaixonar por Misanagi, dando a entender que nem todas as relações Oriente-Ocidente eram tão tensas. Mas na mesma saga, Yutaro (personagem da família Tsukayama e antigo discípulo de Raijuuta) reaparece depois de ir para a Alemanha se tratar do grave ferimento em seu braço causado pelo seu antigo mestre, que o fez perder o movimento dos braços. Quando retorna ao Japão com seu tutor, o Dr. Hans (que sabia sobre o elixir) , ele afirma que o Japão é um país atrasado em mais de 100 anos em relação a Alemanha, país aonde pretendia voltar e estudar medicina. O fato revoltou Yahiko e Sanosuke como um claro desrespeito a medicina japonesa. Não chega a ser mentira o fato, mas o garoto se comporta como os brasileiros que moram um tempo fora e quando voltam, desprezam o país aonde nasceram.
O choque de civilizações retrata a difícil relação que permanece até hoje entre Ocidente e Oriente. Embora mostrado de maneira tensa, mostrou que o Japão aprendeu bem com jovens que foram e voltaram da Europa no século XIX. Mas na vida real, a xenofobia do japoneses é um grande problema nos dias de hoje.


Feminismo?

Os animes costumam deixar personagens femininas em segundo plano, exceto em animes femininos como Sailor Moon, Sakura Card Captors, Slayers ou até mesmo Tenchi Muyo. Mas apesar de personagens femininas serem secundárias ou apegadas a algum protagonista (como Kaoru com Kenshin), Samurai X tem como característica de que suas personagens femininas trabalham, enquanto as protagonistas masculinas sequer tem um emprego.
Entre as personagens femininas recorrentes, apenas Misao não tem um emprego fixo, mas apesar disso é a líder da gangue Oniwabanshu depois da traição de Aoshi. Isso tendo apenas 16 anos. Kaoru Kamiya é instrutora do dojo Kamiya, herança de seu pai. Mestra do estilo Kamiya-Kashin, sempre sofreu preconceito por liderar um dojo de Keijutsu. Tanto que sofreu com os irmãos Hiruma (Gohei e Kihei) que queriam comprar o dojo a qualquer custo, chegando a sequestrar Kaoru, que no fim foi salva por Kenshin, além de contratarem Sanosuke (no começo, um lutador de aluguel) para dar um jeito na moça. Apesar disso, Kaoru se manteve como mestra, embora não ganhasse nada por isso, já que seus alunos a abandonaram. E Yahiko aprende de graça. Mas apesar disso, é ela quem trabalha para sustentar Yahiko e Kenshin, que fazem o serviço de casa. Eles passam e lavam a roupa, limpam a casa, fazem as compras e Kenshin é quem cozinha. Cozinhar não é forte da valente Kaoru, alvo de constantes zoações por parte dos homens (especialmente de Sanosuke) por não saber cozinhar. Ela sofre por isso, já que as outras mulheres da série cozinham e ela não. Ao mesmo tempo em que supera o machismo em liderar um dojo, ela sofre do mesmo por não saber cozinhar. 
Megumi Takani, trabalha salvando a vida dos lutadores do Anime.
Outra que venceu foi a médica Megumi Takani. Após quase ter se matado após se arrepender das drogas que fazia para Kanryu Takeda, ela vira médica-assistente do Doutor Gensai, o médico da região. Além de mostrar ser uma ótima médica e atrair os pacientes (por causa de sua beleza), mostra-se interessada em estudar e de tentar consertar sua paixão, o desajustado Sanosuke. O pretendente de Megumi é um retrato de boa parte dos homens da série, pois além de não trabalhar (embora fosse antes de ficar na região um lutador de aluguel, pago para brigar), ele nunca arranja trabalho, vive perdendo jogos de azar (devendo para muitos) e além disso, nunca pagou a conta do restaurante e vive constantemente devendo para ele, embora a gerente do local, Tae Sekihara, vive sempre perdoando as dívidas causadas por Sano.
Kaoru Kamiya, dura na queda...menos na cozinha.


Em uma das sagas fillers, a raiva que Kaoru sente por ter que sustentar os homens os fazem procurar emprego em um navio. Kaoru também acabando indo coincidentemente, mas ambos são surpreendidos por piratas. O líder na verdade era uma mulher, chamada Shura. A pirata teve a chance de matar Kenshin, mas não o fez por acabar se apaixonando por ele. O sentimento é difícil para Shura, que nunca desejou se casar desde que seu pai e antigo líder dos piratas lhe falou sobre uma roupa em que ela usaria se ela se apaixonasse. Muitos do grupo de piratas tentaram se envolver com a líder e até lhe usurparam o posto. Mas Shura sempre se manteve ética apesar de ser uma pirata. Outra vilã filler e líder de seu grupo é a bela ninja Misanagi. Líder do clã de ninjas Sanada, é bastante respeitada entre eles. Tanto que mesmo após errar e ser traída pelos Cavaleiros Negros, acreditando que eles lhe ajudariam em seus objetivos de dominar o Japão, o grupo decide que só ela pode liderar o bando.

Shura teve que negar sua paixão por Kenshin para continuar seus planos.

Misanagi se mostrou dura na queda...menos no amor!


O anime, mesmo centrado na luta entre homens, acaba mostrando a importância das mulheres na sociedade em diversos trabalhos. No mangá, ainda temos a lembrança de Tomoe Yukishiro, ex-esposa de Kenshin. Querendo se vingar do samurai por ter matado seu ex-noivo Akira Kiyosato, ela acaba se apaixonando por ele, mas ele acaba matando sem querer. Foi ela quem fez uma parte da famosa cicatriz de Kenshin, antes de morrer. Graças a ela, Kenshin jurou nunca mais matar alguém.

Figuras nem tão fictícias

Samurai X é uma obra fictícia como disse antes. Mas as personagens do anime são baseadas em figuras que realmente existiram no Japão do século XIX. Embora muitos não tragam o nome real, alguns tem até o mesmo nome. Seja no mangá e também nos fillers do anime, isso traz um realismo ainda maior para a história.
Aoshi Shinomori...
...e sua verdadeira forma, Toshizou Hijikata.
  
Para começar, o frio e confuso Aoshi Shinomori, que embora seja um ninja, foi inspirado em Toshizou Hijikata (1835-1869), espadachim e subcomandante da Shinsegumi, uma tropa policial do antigo Xogunato. Se juntou ao grupo em 1863 e permaceu até 1869, quando foi morto por um tiro em uma batalha. O próprio Hijitaka apareceu brevemente na série.

Sanosuke Sagara, não encontrei a imagem do verdadeira.
  
O esquentado Sanosuke Sagara foi inspirado em Sanosuke Harada, seu xará de data de nascimento ainda desconhecida. Foi o comandante da 10° unidade da Shinsegumi, sendo um dos mais belos e fortes guerreiros do grupo. Morto em 1868, na batalha de Ueno, mas há quem diga que viveu mais alguns anos na China. Assim como o Sanosuke do anime, tinha uma personalidade forte e um pavio curto. Sem contar a origem humilde.

Saitou...

...e o verdadeiro!
Hajime Saitou foi inspirado no samurai de mesmo nome. Capitão da terceira unidade do Shinsegumi (tal como o Saitou do anime), seu nome de nascimento era Yamaguchi Hajime. Sempre com cara de poucos amigos, Saitou era um dos líderes do Shinsegumi mais temidos. Assim como o Saitou do Anime, mudou de nome e se tornou um policial usando o nome de Goro Fujita. Morreu em 1915, aos 71 anos, vítima de uma úlcera de estômago.

Makoto Shishio, um dos melhores vilões de todos os tempos.
Infelizmente, não achei imagens de sua contraparte real.



O vilão Makoto Shishio foi inspirado em Kamo Seriwaza (1826?-1863?), o primeiro comandante do Shinsegumi. Embora incertos o seu nome verdadeiro e sua data de nascimento e morte, foi um dos mais temidos samurais japoneses. Foi misteriosamente assassinado, provavelmente por disputas internas. Kamo ainda inspirou Jin-E-Udou, espadachim que também faz parte do passado de Kenshin e que é capaz de paralisar pessoas com seu olhar.

Estátua construída em Shimabara em homenagem a
Shiro Amakusa


Outra figura, embora não presente no mangá, mas inspirado na vida real é Shogo Amakuza. O verdadeiro Shogo Amakuza é Shiro Amakuza, um cristão ronin (samurai sem mestre) da região de Shimabara. Viveu entre os anos de 1621 e 1638 e assim como Shogo, era tratado como um "filho de Deus" e capaz de milagres. Mesmo aos 16 anos, Shiro foi líder da Rebelião de Shimabara, uma revolta dos habitantes da região contra o Xogunato, por causa da pobreza e dos altos impostos. Embora resistindo por muito tempo, Shiro foi decapitado pelo governo Tokugawa e dai em diante, os cristãos foram perseguidos até o fim do governo Tokugawa. E isso fez o Japão se isolar mais ainda do resto do mundo. O país só viria a acabar como isolamento no seculo XIX, na revolução Meiji. 


  

Abaixo. o verdadeiro Okubo. Bem parecido, não?

Políticos também foram representados no anime. O primeiro foi Okuno Toshimichi (1830-1878), ministro do governo Meiji e um dos cinco nobres que encabeçaram a queda do regime Tokugawa. Foi morto devido a desavenças com o clã Satsuma, do qual tinha como rival o ex-samurai e político Saigo Takamori. Em Samurai X, Okubo também acaba sendo assassinado, mas por Soujiro Seta, braço direito de Makoto Shishio. Mas sua morte no anime foi assumida por fazendeiros que eram contra a restauração Meiji. Outro político representado no anime (mas em uma saga não baseada no mangá) é Katsu Kaishu, político e engenheiro naval japonês. Katsu foi um homem que estudou holandês e foi tradutor e negociador do governo Tokugawa. Foi ele quem garantiu uma transição mais pacífica entre o regime Tokugawa e a restauração Meiji durante a rendição de Edo. Foi vice-ministro da marinha por um breve período e consultar da mesma. Faleceu aos 76 anos em 1899. No anime, a questão da rendição de Edo foi bastante lembrada, além de fazer menção que Katsu queria desenvolver a tecnologia japonesa por meio de seus dois discípulos, Tetsuma e Daigoro. Além disso, guardava uma fortuna do antigo regime, que era reclamada por ex-aliados que sequestraram sua filha. Eles acusavam Katsu de roubá-los e largá-los na miséria, mas Katsu explicou que guardava o dinheiro para o futuro do país, como prometido ao antigo governo.



O verdadeiro Katsu Kaishu, responsável pela Rendição de Edo.
Por fim e não menos importante, a protagonista Kenshin Himura. O retalhador foi inspirado em outro retalhador, que se chamava Kawakami Gensai (1834-1872). Frio, calculista e violento, ele não aparentava a natureza cruel que tinha. Kawakami era confundido muitas vezes com um rapaz tranquilo ou até mesmo uma mulher. Mesmo que fisicamente parecesse fraco (assim como Kenshin), Kawakami foi o mais terrível retalhador da época e cometeu vários assassinatos encomendados, mas a maioria deles nunca foi comprovado. Apenas a do político Sakuma Shozan, assassinado em 1864 em plena luz do dia, foi comprovado. E o matou com apenas um golpe. Mesmo após de deixar de matar pessoas, continuou com ideias xenófobas e um tanto violentas. Acusado de crimes que talvez nunca cometeu, foi morto em 1871. Sua vida foi inspiração para descrever Kenshin Himura nos tempos em que era Battousai.

Kenshin Himura e sua verdadeira forma da vida real.
Apesar do caráter serem bem diferentes...

Pois é amigos, alguns cartoons (especialmente animes) são muito mais profundos do que imaginamos. Quando éramos crianças, só queríamos ver Kenshin enfiar sua espada em qualquer inimigo. Mas quando crescemos, percebemos que isso tinha ago a mais e muito a mais. Vimos que nem sempre heróis são heróis ou vilões são vilões. Bem dito por Kenshin no final da saga de Shishio: Shishio estava certo, mas com os métodos errados. Isso mostra como o mundo real é mais complexo do que simplesmente o mundo maniqueísta, em que sempre o bem é bem e o mal é mal. Samurai X nos mostra bem isso, assim como a história. Seja ela fictícia ou real.


5 comentários:

  1. Belo post mesmo. Tenho visto Samurai X novamente e esse post me deu vontade de pesquisar a fundo a história da época. Obrigado.

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  2. Várias crianças em situação de rua pedindo comida e esmola nas praças de acarajé. Conselhos Tutelares deveriam resolver isso logo.

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  3. mandei outro texto diferente do assunto... eu ia mandar pra outro blog

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